domingo, 20 de março de 2011

MULHERES

Título original “Baile de máscaras” (Texto de Rosiska Darcy de Oliveira, jornal “O GLOBO”, 05/03/2011).


(…) “A máscara mais vendida esse ano foi a de Dilma Roussef. Ex-Colombinas transformadas em presidentes da República formam um insólito bloco, herdeiro da ruidosas passeatas feministas que, trinta anos atrás, instalaram um inesperado carnaval na ordem amorosa. De lá para cá o bloco esquentou. Haverá folia em Brasília já que, neste ano, o Dia Internacional da Mulher cai na terça-feira gorda. Fantasias, no sentido do desejo, nesa época sempre foram de praxe. Na Quarta-Feira de Cinzas, volta às ruas, como sempre, o bloco “Quem sustenta a casa sou eu”.

Esse vem sempre no fim do desfile, sem esplendores nem adereços, envergando uma camiseta modesta e o idefectível blue jeans. Empurra o carro alegórico do País Emergente que Chegou Lá, faz uma força sobre-humana e, no entanto, ninguém aplaude. A concentração é nas filas dos ônibus, nas estações do metrô, na porta das fábricas e escritórios. Tornou-se imenso, incorporou uma importante ala da classe média e vai desfilar ao longo de todo o mandato da presidente, entoando o refrão do “Abre alas que eu quero passar”.

Em todo o brasil haverá máscaras de Dilma olhando para Dilma. Pode ser o sonho da popularidade ou o pesadelo de esbarrar em todo canto com o próprio rosto, em outro corpo, metáfora de milhões de vidas que, para bem governar, terá que assumir como suas. Entrar na pele das mulheres brasileiras assim como elas assumem seu rosto. Nesse pesadelo não há porta da saída, é um eterno confrontar-se a si mesma, um olhar de mil olhos que nunca adormecem.

No teatro grego, as máscaras não eram apenas disfarces, eram caixas de ressonância para melhor fazer ouvir os sentimentos, tragédia ou comédia. As modestas máscaras de papel, que o mulherio pobre comprar nos camelôs, não têm ressonância nenhuma, mas dizem alguma coisa que, até hoje, ninguém ouviu e caiu no vazio. Agora, elas esperam da presidente o papel de porta-estandarte.

O enredo que Dilma anuncia desde que envergou a faixa verde e amarela é o da erradicação da miséria extrema. Essa tem o rosto de uma mulher negra que leva pela mão seus muitos filhos. As pesquisas e estatísticas são taxatvas. É o bloco do “Lata d’água na cabeça”, das que sobem o morro e não se cansam e pela mão levam a criança.

“Lata d’água” foi a marchinha campeã de 1952, cantada por Marlene, então Rainha do Carnaval. Contava a história de Maria, que subia o morro, lutando pelo pão de cada dia, sonhando com a vida do asfalto que acaba onde o morro principia. É ela que, há quase sessenta anos, povoa as estatísticas da miséria extrema. Ou a presidente tira o atraso e dissolve esse bloco ou perde o passo e deixa cair o estandarte.”

Clique e ouça “Lata d’água”.

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